Por: Fernanda Alvarenga Lopes
“A Feira de Saberes começa primeiro pelas questões filosóficas, sociais, políticas e culturais. Trazendo saberes que desconhecíamos e que cada vez vem se apresentando diante da gente.”
Ju Dendê, idealizadora da Feira de Saberes.

Foto: Feira de Saberes/ Facebook – https://www.facebook.com/Feira-de-Saberes
Para que a economia solidária aconteça é preciso de gente. De pessoas dispostas a questionar e mudar aquilo que incomoda. O que pode e deve ser melhor. Em parceria com o Fórum de Economia Solidária do ABC está a Feira de Saberes, que acontece desde 2019 e se mantém firme e forte apesar do momento conturbado. Isso porque suas raízes são profundas. Quem nos conta mais sobre essa rede que cresce vigorosa é Ju Dendê, sua idealizadora.
Como nasce a Feira de Saberes
A Feira de Saberes foi construída a partir de vários encontros. Vários! O que queríamos? A ideia a princípio era trazer produtores e produtoras, mas também aquilo que estivesse dentro da sua produção. Um olhar sobre a Natureza. Um olhar sobre a sua existência e inquietações. Um olhar ancestral. Então começamos a refletir sobre isso entre nós. “Por exemplo, temos entre nós uma sacerdotisa de candomblé que é uma pessoa que através das ervas busca a cura. Então estávamos diante de uma sabedoria, de um conhecimento que vem lá distante”, conta Ju.
A Feira de Saberes foi pensada para acontecer no Projeto Meninos e Meninas de Rua, no Centro de São Bernardo do Campo, onde de fato as suas edições presenciais ocorreram. Foi a materialização de um movimento forte de arte e cultura, um movimento popular, porque uma feira já acontecia no Sindicato dos Metalúrgicos. “Então a gente começou a se reunir e a partir de cada encontro cada um passou a trazer sua vivência, do que poderia fortalecer com a sua experiência”.
Assim, a Feira de Saberes começa a construir um formato diferente. “A Feira de Saberes começa primeiro pelas questões filosóficas, pelas questões sociais, políticas e culturais. Trazendo também outros saberes que desconhecíamos e que cada vez vem se apresentando diante da gente”.
A cada edição a feira tem um tema diferente, que é abordado através de rodas de conversas, experiências livres como aulas de dança, práticas de yoga, musicalização e outros. A venda de alimentos, produtos e peças artesanais acontecem durante todo o período em que ocorre o evento. Shows musicais encerram a programação.
Agora com o formato online se mantém a mesma essência, contudo com as limitações que uma versão digital impõe. Ju nos lembra que a Feira está em construção:“Ela nasceu, mas ainda está brotando. Porque a cada instante, cada momento, ela se faz”.

Economia Solidária
“Quanto à Economia solidária, pensando aqui na questão do Grande ABC, nós ainda estamos adentrando”, pondera. É um terreno para algumas pessoas desconhecido, de forma que a cada edição da Feira de Saberes se procura dialogar quanto à temática. Por exemplo:
– como nos organizarmos financeiramente;
– como criarmos redes;
– quais outros meios de subexistir;
– Outros
“Porque temos uma relação de consumo com aquilo que temos aprendido no cotidiano. E essa desconstrução está sendo, nesse exato momento, de grande importância devido ao período que estamos vivendo também”, avalia.
A economia solidária para os participantes da Feira remete a pensar em como nossos mais velhos, como país, avós e bisavós, se organizavam lá trás. Como se fazia a partir da troca, sem a questão da exploração da mão de obra. Dos alimentos sem veneno. “Então a gente tem procurado primeiro dentro da feira perceber o que é economia solidária e buscando a prática, Para que a gente possa estar mais presente”.
Ju afirma que estamos numa construção junto ao Fórum da Economia Solidária do ABC. “Juntos na caminhada buscando firmar as redes aqui em São Bernardo, dos pequenos agricultores, alimentos saudáveis, de gerar uma economia entre nós”.
Mas como a gente constrói isso?
Primeiro a Feira se propõe dentro das suas ações hoje, agrupar pessoas para se fortalecer a partir daquilo que cada um trás. “Se é um trabalho artesanal, então a gente tem um espaço de divulgação, um espaço de troca, de fortalecimento emocional. A gente procura trazer para dentro do nosso espaço ações que possam de fato transformar o cotidiano daquela pessoa”.
Como a Permacultura. Antes da pandemia havia os encontros de plantar, de cuidar da Terra, de pensar sobre a nossa alimentação, de como estamos nos cuidando. A Feira vem trazendo dentro das suas dimensões aspectos de integridade, de desenvolvimento mental, emocional, social, cultural, pensando na questão de identidade… “A Feira de Saberes perpassa por diversos campos que faz com que o indivíduo, que ele pense como um ser no mundo. E o mundo onde ele existe”.
Essas ações estão ligadas às rodas de conversa e as atividades livres ligadas ao movimento com o corpo que acontece sempre com a instrução de um professor, mentora ou mestra/ mestre. “A gente sempre trás alguém que traga essas questões para a gente, para movimentar o corpo. Porque o corpo não é apenas uma massa, né? Ele está ligado a toda essa esfera aqui, à Natureza”.
A proposta é fazer com que você se sinta parte disso, aí você vai mudando. E trazer questões preponderantes dentro das suas rodas de conversa, que são questões políticas. “Que é saber como a gente se manifesta diante de uma violência; como a gente se descoloniza constantemente, desde uma brincadeira coletiva até um momento de troca individual”. A Feira traz muitas ações e os movimentos populares parceiros também, como os movimentos políticos, eles estão muito presentes ali. De fato a gente percebe isso.

Feira de Saberes – Roda de Conversa / Foto: Guia ABC Cultural –
https://www.facebook.com/guiaabccultural
Sobre o futuro
“Pensar no futuro é pensar no agora, né? É tudo uma construção”, pondera Ju. Há quase 2 anos atrás se pensarmos na Feira, no que ela era e como está agora, são formatos diferentes mas se que mantém graças aos fundamentos. Passando do formato presencial para o digital com a proposta de encontro mensal, geralmente no último domingo do mês.
“O que a gente deseja é que haja uma amplitude do nosso trabalho. Que mais pessoas se aproximem que a gente crie uma grande rede mesmo. Uma rede subversiva contra o capitalismo. Esse capitalismo que nos suga, que nos mata. Aos poucos então a gente quer romper um pouco dessas amarras. Acho que isso é libertador”. Com certeza!
Os participantes da feira propõe que possamos comer de alimentos que uma pessoa que você conhece planta, que ela cuida. Que você compre um sabonete direto da pessoa que faz. Você adquira uma biojoia direto de quem faz e você conhece de onde vem. Quando se trabalha com a Natureza, a gente extrai e não explora. Porque passamos a ser cuidadores, “você não vai tirar para além do que você precisa”.
Então é trazer ideias revolucionárias mesmo, de vida. “A gente não consegue mudar um país sem mudar a nós mesmos. É buscar a partir desse direito natural de existir e mudar esse pensamento do distanciar-se da Natureza. A gente quer dentro da Feira trazer para cada vez mais perto da Natureza”. A gente quer aprender, a gente está aprendendo e nunca vamos deixar de nos questionar.
Como participar?
A Feira de Saberes sempre esteve e está aberta às pessoas que queiram participar de alguma maneira. Tendo sempre em mente onde ela se construiu de fato, que é no Projeto Meninos e Meninas de Rua. Ali onde se presencia a Casa do Povo. A ideia é sempre de agregar, poder compartilhar. Mas isso depende de quem está disposto ou disposta a participar.
Ju explica que “A gente tem uma abertura à qual se pode de alguma maneira propor, de alguma maneira contribuir, porque é isso. Um espaço que a gente acredita na verdadeira troca. E se estiver de acordo com a realidade que se busca aqui, essa é a força que a gente tem, né? Do coletivo”.

Imagem divulgação Feira de Saberes – março de 2021
A experiência da Feira Online
A feira digital trouxe outra proposta de organização já que as temáticas de troca de saberes seguem acontecendo online no Instagram da Feira de Saberes (@feira_de_saberes). “Agora a gente tem a preocupação – e outras maneiras de nos preocuparmos – de como divulgar o trabalho, de como chegar nas pessoas, o que vamos passar, qual é a mensagem, que dê vida quando ela olhar, dela entender a nossa proposta”.
Mas o diálogo vai além. “E o que é a nossa rede também? A gente vai se definindo. O que é a nossa rede digitalmente. Refletindo sobre a questão da limitação, até onde ela chega e até onde pode chegar? O que ela traz e o que pode trazer? É interessante essa ponte que ela faz em outros lugares, outras culturas”. Por exemplo, tem pessoas que assistem de Portugal e de outros estados também, como do Tocantins!
Quanto aos shows que a Feira transmite vai nesse encontro de parceiros e parceiras que estão na arte, que são pesquisadores e pesquisadoras, que compartilham um pouco de suas bagagens e também trazem alegria. “São propostas para nos aproximarmos da arte autoral, da cultura nossa, um meio de aproximar o que estava distante da gente”.
Feira de Saberes x pandemia
“Tudo o que acontece na Feira de Saberes é reflexo de pessoas. A gente vai pensando nos objetivos de estar bem. E como é estar bem? Então é pensar no bem estar de si e de TODOS. A Feira trás isso. E tudo é consequência”, conclui Ju.
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